Modelo de currículo para profissionais de Saúde
fev. 05, 2024

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é uma condição caracterizada por dificuldades nos aspectos sociais da comunicação, além de comportamentos e interesses restritos e repetitivos. 



Frequentemente, pessoas com TEA têm dificuldades com a linguagem. 25% a 30% das crianças com Transtorno do Espectro Autista não conseguem utilizar a linguagem verbal para se comunicar ou utilizam um número muito restrito de palavras. 


Vale lembrar que a habilidade de se comunicar é fundamental, por possibilitar a interação entre as pessoas. E, dificuldades nesse processo podem gerar uma série de consequências negativas, como:

  • alterações de comportamento;
  • qualidade de vida ruim, com limitações de independência e autonomia;
  • problemas no processo de alfabetização e demais habilidades acadêmicas.


Por essa razão, saber como incentivar as habilidades comunicativas em crianças com TEA é tão importante. E, quando pensamos nas crianças com autismo não-verbal, esse trabalho deve considerar algumas particularidades específicas.


Nesse texto, vamos conhecer um pouco mais a respeito desse universo do TEA não-verbal e algumas formas de estimular sua comunicação. 


O que é autismo não-verbal?

É necessário ter em mente que, a maioria das crianças com TEA apresentam algum tipo de dificuldade para se comunicar e, consequentemente, no processo de aquisição da linguagem oral.


No entanto, a severidade dessas dificuldades variam de forma considerável. Muitas crianças com TEA podem adquirir a linguagem durante a época pré-escolar, em torno dos cinco anos de idade. Contudo, outras falham nesse processo e permanecem não-verbais ou minimamente verbais ao longo de suas vidas. 


Podemos concluir, portanto, que uma criança não verbal é aquela que não utiliza a linguagem oral e a fala para se comunicar e uma criança minimamente verbal faz uso de um número restrito de palavras.


Mas atenção: a ausência da fala ou da linguagem oral não representa necessariamente a ausência de compreensão. É possível que muitas dessas crianças compreendam o que é falado por outras pessoas — mesmo com algumas dificuldades — mas que não sejam capazes de se expressar de forma verbal. 


Assim, nem mesmo crianças com TEA não verbais serão iguais, pois existem variações que devem ser consideradas durante a intervenção. 


Quais são os sintomas do autismo não-verbal?

Muitos estudos buscam responder a essa pergunta: o que acontece de diferente no desenvolvimento de crianças com TEA que permanecem não verbais ao longo da vida?


O que se sabe até agora é que o desenvolvimento de habilidades cognitivas não-verbais, como as motoras, por exemplo, — além do uso de gestos e da habilidade de imitação — são preditores para o desenvolvimento da linguagem de qualquer criança.


No entanto, em crianças com TEA não-verbal, essas habilidades parecem estar prejudicadas, o que significa que boa parte delas tendem a:

  • falhar em imitar os outros;
  • ter dificuldades na utilização de gestos com fins comunicativos e em outras áreas do desenvolvimento.


É importante lembrar que boa parte de qualquer aprendizado depende da imitação e, caso ela esteja alterada, o aprendizado também estará.


Além disso, a atenção compartilhada tem ganhado destaque quando pensamos naquilo que é necessário para aprender. Ela pode ser definida como a habilidade de responder a interações sociais, iniciar a interação com outras pessoas e coordenar essas duas habilidades. 


Assim, a tendência é que essas crianças:

  • geralmente preferem brincar sozinhas;
  • têm muita dificuldade para compartilhar atenção;
  • não se engajam em atividades que dependem de trocas e interação. 


Em outras situações, essas crianças podem apresentar diagnósticos associados, como é o caso dos transtornos motores de fala. Reforçando mais uma vez que cada criança é única e todas as características podem ser variáveis.


Autistas não-verbais podem falar?

Para responder essa pergunta, é preciso conhecer os termos linguagem, comunicação e fala e o que significa cada um deles.


A linguagem pode ser entendida como um sistema complexo de símbolos utilizado em vários modelos de pensamento e comunicação, estruturada por meio de sons, palavras e frases organizados a partir das regras de uma língua.


Já a comunicação representa a forma como cada um de nós recebe e expressa uma mensagem, tendo papel social fundamental. Por fim, a fala representa uma das formas de expressão da linguagem. Ela acontece a partir de gestos e movimentos orais que resultam em sons e, ao serem combinados, formam palavras e frases.


Mesmo com toda a estimulação possível, muitas crianças não-verbais não desenvolvem a fala. Algumas podem passar a utilizar palavras simples para se comunicar, mas não conseguem formar uma comunicação plena por esse meio.


Porém, grande parte dessas crianças podem aprender outras formas de comunicação. Veja a seguir!


Quais técnicas podem ser usadas para incentivar as habilidades comunicativas em TEA?

Em primeiro lugar, é necessária a intervenção precoce. Quanto antes uma criança começar a ser estimulada, maiores serão as chances de que ela venha a desenvolver a linguagem e se comunique por meio da fala.


Contudo, mesmo nos casos onde a linguagem oral não é possível, é na intervenção precoce que a criança começa a desenvolver habilidades de imitação e atenção compartilhada, fundamentais para qualquer tipo de aprendizado. 


No processo de intervenção, pode ser utilizada uma série de técnicas, com diversos objetivos, podendo ser:

  • o desenvolvimento da linguagem oral ou a fala;
  • ensinar a criança outras formas de comunicação (comunicação alternativa);
  • a combinação desses dois objetivos.


A seguir, confira as técnicas mais utilizadas para incentivar as habilidades comunicativas em TEA.


Comunicação Alternativa Ampliada (CAA)

Antes de entender como funcionam essas técnicas e recursos, é preciso lembrar que a Comunicação Alternativa Ampliada representa uma alternativa à comunicação oral, como:

  • uso de gestos;
  • língua de sinais;
  • expressões faciais;
  • pranchas de alfabeto;
  • símbolos pictográficos.


Ela pode ser muito útil para crianças com TEA, porque torna a comunicação mais concreta e visual. O uso desse tipo de técnica pode, inclusive, ajudar no desenvolvimento da linguagem oral.


Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (PECS)

O Sistema de Comunicação por Troca de Figuras (PECS) é, atualmente, um dos sistemas de CAA mais conhecidos e utilizados.

Ele tem como objetivo ensinar a comunicação funcional a partir do uso de pictogramas e pranchas, nas quais a criança tem a possibilidade de selecionar aquilo que gostaria de dizer.


Essa técnica possibilita uma comunicação ampla, que vai desde o uso de palavras até a construção de narrativas. Vale lembrar que o PECS necessita de uma formação específica para sua aplicação.


Aplicativos para autismo não-verbal

Atualmente, muitos aplicativos (pagos ou gratuitos) que auxiliam no processo de comunicação estão disponíveis. Eles podem partir do princípio do uso de pictogramas ou figuras que, combinados, comunicarão uma mensagem, até o uso de palavras escritas — no caso de crianças alfabetizadas.


A grande vantagem dos aplicativos é que eles permitem que a criança tenha em mãos um vocabulário muito maior sem que isso ocupe um espaço físico, como acontece nas pranchas convencionais. Além disso, torna o processo mais rápido e dinâmico.


Outro diferencial desse tipo de sistema é a possibilidade da utilização de recursos de voz, que fazem a leitura das figuras ou palavras selecionadas pela criança, facilitando a comunicação com outras pessoas. 


O que pode ser feito além das técnicas citadas

Além das técnicas citadas, a criança deve receber toda a estimulação necessária que a possibilite aprender a utilizar esses recursos. Assim como falamos da atenção e da imitação, outras habilidades precisam ser desenvolvidas para que a criança tenha intenção de se comunicar.


Uma dica: quando houver associação entre o TEA e algum dos tipos de transtornos motores de fala, é imprescindível que a criança seja exposta a uma intervenção especializada para ter condições de desenvolver habilidades de fala.


Qual o papel do fonoaudiólogo na intervenção do autismo não-verbal?

O fonoaudiólogo tem papel indispensável, desde a etapa de intervenção precoce, até a seleção das técnicas mais adequadas para o desenvolvimento da comunicação e seu treino com a criança.


Mas, para se ter sucesso, o profissional deve ser especializado e ter domínio teórico-prático das questões relacionadas ao TEA e as técnicas de intervenção.


Gostou do post? Continue se aprofundando no assunto em nosso blog!


Referência:

BRIGNELL, Amanda et al. Communication interventions for autism spectrum disorder in minimally verbal children. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 11, 2018.

fonoaudiologa-e-criança
12 abr., 2024
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é considerado uma síndrome comportamental que afeta o desempenho social, o comportamento e a comunicação. Embora ainda não se saiba exatamente qual é a sua origem ou causa, estudos sugerem a presença de fatores genéticos e neurobiológicos que podem estar associados a essa condição. O TEA tem maior incidência no sexo masculino em uma proporção de 4,2 nascimentos para cada um do sexo feminino, sendo a prevalência total estimada em um em cada 88 nascimentos, colocando o TEA entre os transtornos do desenvolvimento mais comuns. Ao longo do tempo, a classificação e critérios diagnósticos para o TEA são modificados conforme avançamos na compreensão acerca desse tema. Na mais recente atualização, realizada em 2013, disponível no DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, sigla em inglês para Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), o TEA passou a ser descrito como espectros de características que variam em grau de manifestação, sendo considerado então um quadro que pode variar muito de indivíduo para indivíduo. Independentemente do grau de comprometimento, esse manual determina uma díade diagnóstica, ou seja, aspectos que necessariamente precisam estar alterados em quadros de TEA e que corresponde ao prejuízo nas habilidades de interação social e comunicação e à presença de comportamentos, interesses e atividades estereotipados. Podemos perceber que a comunicação e a linguagem da pessoa com TEA são aspectos que merecem atenção. Seja com maior ou menor comprometimento, prejuízos na linguagem e comunicação são parte desse quadro. Considerando a linguagem como tudo aquilo que nos torna seres capazes interagir, expressar desejos, sentimentos e pensamentos, qualquer alteração que prejudique essas habilidades terão grande impacto no desenvolvimento e qualidade de vida de qualquer pessoa. Neste texto, vamos abordar as principais características relacionadas à linguagem no TEA. Confira! A linguagem e seu desenvolvimento A linguagem é uma habilidade exclusiva da espécie humana, que permite a cada indivíduo representar e expressar suas experiências de vida, pensamentos, desejos e dúvidas, além de ser uma ferramenta indispensável no processo de aquisição, produção e transmissão do conhecimento. A linguagem vai além da fala, estando presente nos: gestos; comportamentos; expressões faciais; forma como interagimos com as outras pessoas. Essa habilidade é desenvolvida e aprimorada ao longo da vida, mas, principalmente nas etapas iniciais do desenvolvimento nas quais as crianças têm ampla capacidade de adquirir e aprender novas habilidades. Esse processo acontece naturalmente durante a interação das crianças com seus pares, mas estão condicionadas à algumas habilidades da própria criança. No caso de crianças com TEA, o desenvolvimento das habilidades de linguagem e comunicação é prejudicado e pode estar alterado de formas variáveis. Na próxima sessão, vamos entender quais características podem ser observadas nesse contexto. Acompanhe! A linguagem no TEA A linguagem em pessoas com TEA pode estar alterada de diferentes formas, variando no grau de comprometimento, e podem ser observadas em todos os aspectos da comunicação. Nesse espectro, vamos observar tanto crianças que não se comunicam por meio da fala, como aquelas que apesar de conseguir elaborar um discurso, tem dificuldade em lidar com regras sociais tornando a comunicação pouco funcional. Crianças com TEA podem apresentar dificuldade no desenvolvimento de fala e linguagem, por vezes demoram para começar a falar e, quando isso acontece, a linguagem pode ser utilizada de forma pouco funcional, apresentando ausência ou redução da fala espontânea, mesmo em situações de interação. Além disso, podem ser observadas: uso inadequados de pronomes possibilidade da ocorrência de ecolalias . uso de gestos e expressões faciais é prejudicado; alteração no ritmo da fala, o que pode torná-la monótona ou robótica; dificuldades na elaboração de frases e no emprego de estruturas gramaticais complexas.  Outras habilidades, como a de atenção, podem estar alteradas e se refletem na comunicação, pois prejudicam a interação da pessoa com TEA com os demais. Aliás, as dificuldades sociais representam uma barreira importante à comunicação. Pessoas com TEA tendem a ter dificuldade em estabelecer relações fundamentais ao diálogo com as outras pessoas, como: iniciar e manter uma conversa; trocar turnos durante a comunicação; se atém ao significado das palavras de forma rígida; adequar sua fala ao contexto e ao interesse do seu interlocutor; dificuldade de compreender conceitos abstratos, ironias e figuras de linguagem. Portanto, existe a dificuldade de simbolização, que pode, inclusive, ser observada na brincadeira da criança com TEA que tende a ser menos estruturada. Por se tratar de uma alteração comportamental, o diagnóstico nos casos de TEA é realizado com base na observação dessas e outras características descritas no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) . Portanto, não existem exames, como os de imagem, capazes de auxiliar nesse diagnóstico até o momento. Quanto antes for feito o diagnóstico, ou pelo menos, for identificado o risco para autismo, melhor! A identificação precoce possibilita a intervenção precoce e ela fará toda a diferença na evolução dessas crianças. Importância da intervenção precoce nos casos de TEA O nosso cérebro é formado por uma rede de circuitos responsável por conduzir informações e permitir a realização de qualquer tarefa ou habilidade. Essa rede formada a partir da conexão dos neurônios é responsável pelo desenvolvimento e uso da linguagem. Com o passar do tempo, o cérebro reconhece quais dessas conexões são utilizadas com maior frequência e oferece uma espécie de reforço. Por outro lado, aquelas conexões que não estão sendo usadas são desativadas, a esse mecanismo de exclusão damos o nome de poda neural. Embora o “corte” aconteça diversas vezes ao longo da vida, ocorre de forma intensa até os 3 anos, que faz com que esse período inicial na vida de qualquer criança seja fundamental no estabelecimento de conexões que possibilitarão o desenvolvimento de habilidades, como a linguagem. Nesse sentido, fica fácil compreender porque a estimulação precoce é importante nos casos de TEA! Não significa que crianças maiores não vão apresentar evolução significativa, mas iniciar o acompanhamento adequado tão logo se identifique uma suspeita ou risco para o TEA pode tornar a evolução mais rápida e eficiente. Importância da tríade família, escola e profissionais da reabilitação no sucesso da intervenção em linguagem no TEA O trabalho de intervenção voltado às pessoas com TEA envolve a participação de uma série de profissionais que favorecem o desenvolvimento de ampla variedade de habilidades: fonoaudiólogo: se dedicará à intervenção voltada ao desenvolvimento de linguagem e habilidades comunicativas; psicólogo: é o profissional responsável por trabalhar o comportamento da criança, sendo fundamental no manejo com os pais; terapeuta ocupacional: além de trabalhar aspectos sensoriais que podem estar alterados, favorecerá o desenvolvimento de habilidades de vida diária, permitindo à pessoa com TEA maior nível de independência. Além dos citados, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e assistentes sociais podem estar envolvidos nesse processo de intervenção. Contudo, vale a pensa lembrar que mesmo nos casos em que a criança realiza a intervenção de forma intensiva, durante muitas horas, o que nem sempre é uma realidade no nosso país, ela passará o maior tempo do seu dia em casa, com os pais e na escola. Por essa razão, a intervenção em casos de TEA só atingirá a máxima eficiência quando os profissionais na reabilitação da pessoa com TEA trabalharem em conjunto com professores, pais e cuidadores. Dessa forma, tudo o que for realizado no consultório pode ser usado nos demais contextos em que a criança está inserida. E, para você que deseja conhecer mais sobre esse assunto, a TK preparou um curso teórico e prático completo sobre o tema: Como Intervir nas Ecolalias e Estereotipias Verbais. Esse curso apresenta versões para pais , educadores e fonoaudiólogos justamente visando fortalecer a rede de cuidado no TEA! Referências: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo. Brasília, 2013. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_pessoa_autismo.pdf
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